27 fevereiro 2011

LEMBRA-SE ???

Essa crônica combina tanto com o outono que não resisti dividi-la com vocês...


Falar ao telefone era uma coisa discreta. Em aparelho público de esquina ou de corredor de shopping, falava-se baixo.
Quando ligava de um posto da companhia telefônica, a pessoa fechava-se numa cabine.
Trocavam-se palavras necessárias, pois dava trabalho deslocar-se até um aparelho.
Agora, na era do celular, todo mundo fala alto e até com espalhafato nas ruas, nos ônibus, nos corredores, nos restaurantes (também, pela banalidade, os assuntos não interessam a ninguém).
Não havia essa quantidade de cocô de cachorro nas calçadas dos bairros residenciais.
Dava-se corda nos relógios.
Era tranqüilo caminhar pelas ruas à noite.
O papel higiênico era vendido em pacotes de um rolo, embora as famílias fossem maiores.
Os culpados já não eram punidos.
As pessoas não eram obrigadas a suportar o mesmo narrador de futebol. Várias emissoras de TV transmitiam os jogos que quisessem, podia-se escolher uma ou outra, pelo critério de narrador menos chato.
As virilhas não eram depiladas. Não havia tantas loiras.
Helicóptero não era transporte urbano.
Motocicleta era diversão dos fins de semana.
Os filmes faziam menos barulho.
Os vendedores de livros conheciam as obras; pelo menos sabiam do que se tratava.
Os bancos lucravam bilhões e não cobravam mensalidade para você deixar seu dinheiro com eles nem para lhe fornecer um simples talão de cheques.
Havia só 300 picaretas no Congresso.
Polícia era polícia, bandido era bandido.
Jogadores de futebol habilidosos podiam dar dribles humilhantes, fazer embaixadas, passar a bola pelo meio das canelas dos adversários, dar chapéus seguidos, fazer malabarismos, sem que isso fosse interpretado pelo outro time como menosprezo antiesportivo e se tornasse motivo para agressões.
A Justiça era apenas cega.
Brasileiro, para ir morar fora, tinha de ser exilado.
O Natal era melhor.
O Carnaval era melhor.
O Sábado de Aleluia era melhor. 
O 7 de Setembro era pior.
A corujinha da TV mandava as crianças para cama às 9 da noite.
Os jovens iam para os bares com livros debaixo do braço e parecia que os liam, pois sobre eles discutiam e se dividiam.
Os artistas plásticos não desprezavam a parede. "
Instalações" eram as sanitárias, elétricas, hidráulicas etc.
A buzina era um recurso para chamar a atenção de alguém e evitar acidentes.
Os jornais não sujavam tanto as mãos da gente.
As famílias podiam ir sem riscos aos estádios de futebol.
Não havia hipótese de silicone.
Os pobres eram magros.
Os apartamentos construídos para as famílias de classe média tinham espaço para os móveis.  As meninas de 12 anos brincavam com Barbie.
A escola era pública, a rua era pública, a saúde era pública, a opinião era pública. Privada era outra coisa. Manga com leite fazia mal. Havia garoa.
O beijo era uma intimidade, não um espetáculo.
Parlamentares parlamentavam, ministros ministravam, presidentes presidiam, garotinhos empinavam pipas.
Pizza não era coisa feia.


(Ivan Angelo)

postagem : 29.05.2006


 

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